7 de julho de 2021

Procura-se um amor que goste de vacinas

 As linhas brancas desenhadas no chão, milimetricamente espaçadas de nada serviram para afastar as pessoas. A fila para a vacina daqueles com 40 a 44 anos era formada por gente pouco afeita ao distanciamento social.

Um deles, um hipster com a barba ultrapassando em vários centímetros a máscara no queixo, sai para fumar um cigarro no canteiro.

Cadeiras de praia, bundas escoradas em hidrantes, cotovelos em carros, trocas de pernas para descanso e eu, a pessoa que vos escreve, sentada no chão. Pensei se a fila seria um bom lugar para marcar de encontrar alguém no pós-vacina, de 40 a 44 anos, que goste de vacinas.

Lembrei de lapsos hormonais causados pela carência afetiva desta pandemia. Como o dia em que fiquei absolutamente encantada por um ciclista de touca, óculos escuros e, claro, máscara, e quando me dei conta de como olhava pra ele nem deu tempo de me perguntar o que exatamente eu estava olhando, já que nem tinha muito para o que olhar naquele fim de tarde gélido. Tive medo de ele voltar e puxar assunto comigo e entrei em uma loja de roupas que jamais usaria. Comprei um par de meias que chamo de as meias secretas de um amor à primeira vista se eu tivesse visto alguma coisa.

Outro dia, no mercado, tive um crush imediato que parecia que ia virar uma paixão avassaladora, seguida de um amor verdadeiro: era um carrinho de supermercado com uns sucos orgânicos e verduras igualmente desprovidas de agrotóxicos, cervejas artesanais, uns iogurtes, um capeletti e um pedaço de parmesão. Aquele parmesão ia cair lentamente, em lascas sobre o molho branco delicioso que aprendi a fazer no Via Madalena, banhando o capeletti com o sabor do amor.

Eu ainda imaginei – certeiramente, eu ouvi um amém? – que o dono daquele carrinho era um moço de cabelos bagunçados, barba farta e olhos negros e, quem sabe? Uma camiseta de uma banda de rock. Pra piorar ele era tudo isso e ainda muito carinhoso, como pude perceber quando uma mulher chegou com uma barra daquele chocolate de café que eu adoro.

E lá se vai o carrinho de supermercado perfeito.

Bom, quanto ao amor que goste de vacina na fila da vacina para aqueles de 40 a 44 anos, além do hipster, até onde minha vista alcança, dois ou três homens com cara de poucos amigos e muitas, muitas mulheres contando coisas sobre a pandemia. De entes queridos intubados, de amigos mortos.

Em meio a felicidade da sorte de não ter vivido isso, de não perder ninguém para esta terrível doença, até pensei que quem precisa de um amor que goste de vacina, né?

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