Não basta sentir o coração partido em milhares - sim, milhares, este texto requer um tanto de hipérbole - de pedaços e ter o último pensamento ao dormir e o primeiro ao acordar como uma coisa só. E aquela saudade sem fim. Não…
Sua mente, amante do bom e velho rock and roll e MPB, vai te fazer verter lágrimas ridículas em ritmos bem menos louváveis, te transformando num mero mortal. O resto da rotina é aliança guardada, porta-retrato emborcado, lembranças e suspiros infinitos e do nada vem um cheiro de café e não se tem mais paz com tanta memória.
Mas abramos aqui um parêntese sobre aquele dia no mercado, a música foi aceitável, afinal, um clássico é sempre um clássico. Vou ali no Nordestão de Petrópolis, onde a cada três itens, lá se vão cem reais e quando percebo, pessoas cantarolam ao meu lado “quando digo que deixei de te amar é porque te amo” enquanto escolhem um azeite. Já na sessão de naturebas, “Mas a verdade é que eu sou louco por você…”
Percebo que toca Evidências nos alto-falantes e a cada corredor novas pessoas e novas frases da música brotam num quase murmúrio “mas tenho medo de pensar em te perder”. Enquanto olho estupefata o valor do mamão papaya, o refrão começa e do nada, os cantantes parecem zumbis introspectivos em uníssono, como se meu drama amoroso fosse uma espécie de flash mob discretíssimo. “Eu te quero mais que tudo, eu preciso dos teus beijos, eu te entrego a minha vida” e meus olhos marejados com algo que não era um cisco, observaram incrédulos e “diz que é verdade, que tem saudade” e se recusaram a pagar mais de dez reais por um mamão.
Mas não bastam as humilhações públicas na sessão de hortifrutis. Além de todas as sensações individuais de quase morte, quase desespero e de lágrimas que vertem, além de um misto de ódio e inveja de casais que sorriem juntos no meio das tórridas ruas de Natal. A gente não fica contente em se torturar sozinho.
A gente conta pra amiga tudo de novo, tudo o que ela já ouviu da outra vez e conta novamente e a pobre, toda trabalhada na paciência, ouve novamente. Para aquelas amigas que a gente não vê há tanto tempo, é uma ótima oportunidade pra repassar os diálogos, mostrar prints e rodar áudios. Os desconhecidos também não estão livres, pois dramas amorosos que terminam em um belo bolo de 14 andares, são ótimos assuntos para cafeterias.
Para todos, sem exceção, há o desprazer de ouvir em quase toda e em quase qualquer situação o nome da, como diria aquela música de Ataulfo Alves, criatura que me fez tão triste assim. Quase em toda e qualquer porque o senso do ridículo te dá um mínimo de senso de ridículo, porque a lembrança é permanente.
Para os porteiros do edifício, em especial os que acompanham as câmeras dos elevadores, que nunca na história desta edificação assistiram tanto uma pessoa chorando do térreo ao 14º andar, minhas sinceras desculpas
Aos vizinhos, pelas músicas diárias e repetidas e sempre as mesmas, foi mal. Nem o pobre o pet se salva porque é a única testemunha das noites em claro em casa.
Quando a gente percebe, dá aquela vontade quase que irresistível de ser um meme de instagram e dizer para o motorista do Uber: “sabe o que é seu Josivaldo? A gente ia morar juntas e ela me largou.”
Um coração partido incomoda muita gente.