As linhas brancas desenhadas no chão, milimetricamente
espaçadas de nada serviram para afastar as pessoas. A fila para a vacina
daqueles com 40 a 44 anos era formada por gente pouco afeita ao distanciamento
social.
Um deles, um hipster com a barba ultrapassando em vários centímetros
a máscara no queixo, sai para fumar um cigarro no canteiro.
Cadeiras de praia, bundas escoradas em hidrantes, cotovelos
em carros, trocas de pernas para descanso e eu, a pessoa que vos escreve,
sentada no chão. Pensei se a fila seria um bom lugar para marcar de encontrar
alguém no pós-vacina, de 40 a 44 anos, que goste de vacinas.
Lembrei de lapsos hormonais causados pela carência afetiva desta
pandemia. Como o dia em que fiquei absolutamente encantada por um ciclista de
touca, óculos escuros e, claro, máscara, e quando me dei conta de como olhava
pra ele nem deu tempo de me perguntar o que exatamente eu estava olhando, já
que nem tinha muito para o que olhar naquele fim de tarde gélido. Tive medo de
ele voltar e puxar assunto comigo e entrei em uma loja de roupas que jamais
usaria. Comprei um par de meias que chamo de as meias secretas de um amor à
primeira vista se eu tivesse visto alguma coisa.
Outro dia, no mercado, tive um crush imediato que parecia
que ia virar uma paixão avassaladora, seguida de um amor verdadeiro: era um
carrinho de supermercado com uns sucos orgânicos e verduras igualmente desprovidas
de agrotóxicos, cervejas artesanais, uns iogurtes, um capeletti e um pedaço de
parmesão. Aquele parmesão ia cair lentamente, em lascas sobre o molho branco
delicioso que aprendi a fazer no Via Madalena, banhando o capeletti com o sabor
do amor.
Eu ainda imaginei – certeiramente, eu ouvi um amém? – que o
dono daquele carrinho era um moço de cabelos bagunçados, barba farta e olhos
negros e, quem sabe? Uma camiseta de uma banda de rock. Pra piorar ele era tudo
isso e ainda muito carinhoso, como pude perceber quando uma mulher chegou com
uma barra daquele chocolate de café que eu adoro.
E lá se vai o carrinho de supermercado perfeito.
Bom, quanto ao amor que goste de vacina na fila da vacina
para aqueles de 40 a 44 anos, além do hipster, até onde minha vista alcança,
dois ou três homens com cara de poucos amigos e muitas, muitas mulheres
contando coisas sobre a pandemia. De entes queridos intubados, de amigos mortos.
Em meio a felicidade da sorte de não ter vivido isso, de não
perder ninguém para esta terrível doença, até pensei que quem precisa de um
amor que goste de vacina, né?
Apois preciso! Jogo é jogo, treino é treino e quem não
vacina não beija.