18 de novembro de 2024

Como já dizia Djavan*


Escrevo-te estas mal traçadas linhas, para dizer que, após devorar-te até a alma neste início de tarde, toda e qualquer escrita de meus dedos aqui no computador molham as teclas e escorrem por minhas pernas. Mas digo também que sigo firme no propósito da escrita, com as pernas cruzadas e tendo à frente teus olhos, naquela hora que deves bem lembrar qual. 

Na verdade, em todas as horas que me lembro de tuas carnes nas minhas. Me atrapalham a escrita, mas sigo em frente.

Mas eu dizia que, escrevo-te estas mal traçadas linhas para dizer-te que, após te devorar nesse início de tarde, conto cada parágrafo de tempo pra colocar um ponto e vírgula nessa fome toda: te ver de perto, te ter bem perto.


*Como já dizia Djavan é, na verdade, uma música do Cazuza de que eu gosto muito. Mas aqui é sobre Cigano, sobre viajar entre pernas e delícias e (te) querer mais.

27 de maio de 2024

Um coração partido incomoda muita gente


Não basta sentir o coração partido em milhares - sim, milhares, este texto requer um tanto de hipérbole - de pedaços e ter o último pensamento ao dormir e o primeiro ao acordar como uma coisa só. E aquela saudade sem fim. Não…

Sua mente, amante do bom e velho rock and roll e MPB, vai te fazer verter lágrimas ridículas em ritmos bem menos louváveis, te transformando num mero mortal.  O resto da rotina é aliança guardada, porta-retrato emborcado, lembranças e suspiros infinitos e do nada vem um cheiro de café e não se tem mais paz com tanta memória. 

Mas abramos aqui um parêntese sobre aquele dia no mercado, a música foi aceitável, afinal, um clássico é sempre um clássico. Vou ali no Nordestão de Petrópolis, onde a cada três itens, lá se vão cem reais e quando percebo, pessoas cantarolam ao meu lado “quando digo que deixei de te amar é porque te amo” enquanto escolhem um azeite. Já na sessão de naturebas, “Mas a verdade é que eu sou louco por você…” 

Percebo que toca Evidências nos alto-falantes e a cada corredor novas pessoas e novas frases da música brotam num quase murmúrio “mas tenho medo de pensar em te perder”. Enquanto olho estupefata o valor do mamão papaya, o refrão começa e do nada, os cantantes parecem zumbis introspectivos em uníssono, como se meu drama amoroso fosse uma espécie de flash mob discretíssimo. “Eu te quero mais que tudo, eu preciso dos teus beijos, eu te entrego a minha vida” e meus olhos marejados com algo que não era um cisco, observaram incrédulos e “diz que é verdade, que tem saudade” e se recusaram a pagar mais de dez reais por um mamão.

Mas não bastam as humilhações públicas na sessão de hortifrutis. Além de todas as sensações individuais de quase morte, quase desespero e de lágrimas que vertem, além de um misto de ódio e inveja de casais que sorriem juntos no meio das tórridas ruas de Natal. A gente não fica contente em se torturar sozinho. 

A gente conta pra amiga tudo de novo, tudo o que ela já ouviu da outra vez e conta novamente e a pobre, toda trabalhada na paciência, ouve novamente. Para aquelas amigas que a gente não vê há tanto tempo, é uma ótima oportunidade pra repassar os diálogos, mostrar prints e rodar áudios. Os desconhecidos também não estão livres, pois dramas amorosos que terminam em um belo bolo de 14 andares, são ótimos assuntos para cafeterias.

Para todos, sem exceção, há o desprazer de ouvir em quase toda e em quase qualquer situação o nome da, como diria aquela música de Ataulfo Alves, criatura que me fez tão triste assim. Quase em toda e qualquer porque o senso do ridículo te dá um mínimo de senso de ridículo, porque a lembrança é permanente.

Para os porteiros do edifício, em especial os que acompanham as câmeras dos elevadores, que nunca na história desta edificação assistiram tanto uma pessoa chorando do térreo ao 14º andar, minhas sinceras desculpas

Aos vizinhos, pelas músicas diárias e repetidas e sempre as mesmas, foi mal. Nem o pobre o pet se salva porque é a única testemunha das noites em claro em casa.

Quando a gente percebe, dá aquela vontade quase que irresistível de ser um meme de instagram e dizer para o motorista do Uber: “sabe o que é seu Josivaldo? A gente ia morar juntas e ela me largou.”

Um coração partido incomoda muita gente. 


9 de junho de 2022

Desencantos na Floresta Encantada

 Quando Chapeuzinho Vermelho passava pela floresta para levar presentes à Vovó, o Lobo a espreitava há muito tempo. Na verdade o que o Lobo queria, era descobrir os segredos da Vovozinha, que doces, que perfumes, que músicas ela gostava. Toda aquela experiência de mulher madura deixava o Lobo maluquinho.

Um dia, o Lobo foi abordado por um policial que questionava, acusava, batia.
O Lobo jurava amor eterno à Vovozinha, que jamais quisera tocar na menina.
Chapeuzinho soluçava, gritava, chorava copiosamente agarrada às pernas do policial.
O Lobo foi acusado, preso, condenado.
Cinco anos por pedofilia.
A Vovozinha morreu um ano depois. Infarto.
O Lobo em dois anos. Complicações decorrentes do diabetes, com a vida insuportavelmente amarga. Chapeuzinho cometeu suicídio em janeiro. Puro remorso.

7 de julho de 2021

Procura-se um amor que goste de vacinas

 As linhas brancas desenhadas no chão, milimetricamente espaçadas de nada serviram para afastar as pessoas. A fila para a vacina daqueles com 40 a 44 anos era formada por gente pouco afeita ao distanciamento social.

Um deles, um hipster com a barba ultrapassando em vários centímetros a máscara no queixo, sai para fumar um cigarro no canteiro.

Cadeiras de praia, bundas escoradas em hidrantes, cotovelos em carros, trocas de pernas para descanso e eu, a pessoa que vos escreve, sentada no chão. Pensei se a fila seria um bom lugar para marcar de encontrar alguém no pós-vacina, de 40 a 44 anos, que goste de vacinas.

Lembrei de lapsos hormonais causados pela carência afetiva desta pandemia. Como o dia em que fiquei absolutamente encantada por um ciclista de touca, óculos escuros e, claro, máscara, e quando me dei conta de como olhava pra ele nem deu tempo de me perguntar o que exatamente eu estava olhando, já que nem tinha muito para o que olhar naquele fim de tarde gélido. Tive medo de ele voltar e puxar assunto comigo e entrei em uma loja de roupas que jamais usaria. Comprei um par de meias que chamo de as meias secretas de um amor à primeira vista se eu tivesse visto alguma coisa.

Outro dia, no mercado, tive um crush imediato que parecia que ia virar uma paixão avassaladora, seguida de um amor verdadeiro: era um carrinho de supermercado com uns sucos orgânicos e verduras igualmente desprovidas de agrotóxicos, cervejas artesanais, uns iogurtes, um capeletti e um pedaço de parmesão. Aquele parmesão ia cair lentamente, em lascas sobre o molho branco delicioso que aprendi a fazer no Via Madalena, banhando o capeletti com o sabor do amor.

Eu ainda imaginei – certeiramente, eu ouvi um amém? – que o dono daquele carrinho era um moço de cabelos bagunçados, barba farta e olhos negros e, quem sabe? Uma camiseta de uma banda de rock. Pra piorar ele era tudo isso e ainda muito carinhoso, como pude perceber quando uma mulher chegou com uma barra daquele chocolate de café que eu adoro.

E lá se vai o carrinho de supermercado perfeito.

Bom, quanto ao amor que goste de vacina na fila da vacina para aqueles de 40 a 44 anos, além do hipster, até onde minha vista alcança, dois ou três homens com cara de poucos amigos e muitas, muitas mulheres contando coisas sobre a pandemia. De entes queridos intubados, de amigos mortos.

Em meio a felicidade da sorte de não ter vivido isso, de não perder ninguém para esta terrível doença, até pensei que quem precisa de um amor que goste de vacina, né?

Apois preciso! Jogo é jogo, treino é treino e quem não vacina não beija.

 

2 de agosto de 2019

Vida, pisa devagar...


Enquanto tu toma um café aí na porta, parado, eu mexo no celular e vejo nós dois em todas as fotos dos lugares legais que fotógrafos que viajam o mundo e passam horas esperando pelo pôr do sol perfeito, após tratar as fotos, as publicam para que pessoas como eu, vejam e imaginem nós dois. Talvez não pessoas como eu. E talvez não depois de ouvir um desagrado. Talvez não enquanto meu cérebro tenta me alertar. Mas talvez sim, enquanto meu coração põe as mãos nos ouvidos e grita lá lá lá lá muito alto para não ouvir uma palavra do cérebro que tenta traçar um quadro realista ao argumentar que eu deveria desistir. Mas eu falava das fotos. E te vejo lá comigo e sinto teu sorriso na minha boca em toda parte. Acho que o que eu ia dizer no começo é que da forma como nós dois conduzimos nossas vidas hoje, a gente não vai pra lugar nenhum. Não geograficamente. Não juntos. Um amor permeado de teimosias está longe de ser o ideal. Mas quem porra liga para o ideal? Acho que tá errado. Um amor que vem de um abraço parece, sim, ser o ideal. É perfeito. Acho que quando peguei a caneta era sobre um homem de pé em uma porta, amargurado, tomando um café sem açúcar, já que combina mais com a amargura de uma manhã chuvosa de inverno que, claro, poderia combinar com amor. Mas...  Aí a mulher veria fotos de lugares lindos e pensaria nos dois. Mas com raiva por estar chateada. Aí ele pergunta se ela vai mesmo ficar com aquela cara e ela tenta explicar que estava pensando em um texto. De um cara de pé na porta, tomando café e de uma mulher chateada mexendo no celular. Mas ele não gosta do fato de a mulher estar chateada e aquilo se perde do mais importante: nós dois juntos, na praia, esperando a noite cair, olhando nos olhos sem precisar desviar porque no fundo a gente não queria se magoar. Ou talvez, a parte de como a gente vem conduzindo a vida da gente seja importante. Não sei. Parece que termina com quinze minutos de carro até a casa dela, em silêncio, com a chuva batendo no para-brisas. Com o coração gritando lá lá lá lá mais baixo.

27 de maio de 2019

Do inferno

Alguém que seja boa companhia, um bom papo, bom amigo para conversas cafés sem açúcar. 
Que tenha tantas afinidades quanto diferenças e se espante tanto quanto eu com mapas astrológicos simétricos.
Uma pessoa que se encaixe no meu corpo acordada, dormindo, só de mãos dadas ou com nenhuma roupa.

Principalmente.
Principalmente, alguém que beije como nenhuma outra criatura da terra. 

Mantenha-se longe.

Agora, se você for do tipo atencioso e que não desperta insônia, que cumpre promessas simples, que não me queime juízo ou a alma, que não desperte nenhum sonho e, principalmente. 

Principalmente, que me beije como um mero mortal.

Me chama pra um trelelê, cinema, conversa. Tomamos algo juntos. Suco, sorvete, banho... 

Sonhar acordada? Não, obrigada.

16/01/19
O tempo estava infernalmente quente.
Ele, infernalmente gélido.

26 de junho de 2018

Falta de sol


Acordei com aquela saudade de abrir todas as janelas para o sol, botar uma música alta, cantar e cozinhar contigo, como quando experimentava tudo de cinco em cinco minutos até ficar sem fome para o almoço. A falta de sol, os 286 km que nos separam e a preguiça de ser só me levaram à casa do Jim, onde fizemos almoço vegetariano. Sorvete de sobremesa. Com chocolate branco picado. Sem minha carne de acompanhamento. Anoiteci na rua Caicó número 60 onde bebi vinho, tive orgasmos e mais sorvete. Já pela manhã, aqui na casa que era nossa, nua, bebo um café sem açúcar e vou dormir morrendo de saudades (com a pele ótima).

10 de outubro de 2017

Me conta?*

Não sei se mais lindo ou mais triste aquele soneto que não virou poesia. Assim como também não consigo saber se quando te vejo, te ouço ou te lembro me molha mais a boca ou os lábios. Nem se esse medo de me apaixonar e ir pra um caminho sem volta é vontade.
Também nem sei se teu beijo fica entre as melhores ou piores coisas que outra pessoa nunca vai fazer comigo. Parece que nunca saberei sobre sonetos, beijos ou paixões. 
Só vou saber sobre lábios e boca quando me contares o resultado.
Seguirei fingindo não saber a espera de comprovações constantes.

*É de lábios e boca que estamos falando...

29 de outubro de 2016

Combinado?

Faz assim: primeiro na minha rede, depois na tua. 
Na minha eu pego teus cabelos e te puxo pra mim, dou muito beijo, depois peço desculpas, porque sei que no fundo tu não quer me beijar. Pernas para cima! Bora ver um filme? 
Na tua rede tu confessa que quer me beijar desde sempre e se enrosca em mim. Eu te chamo de malvada e mordo tua boca e a gente se embola ali. Até dormir. 
Depois a gente junta as duas redes e quando vê já tá no chão, quase embaixo do sofá lambendo os restos de brigadeiro de panela que nunca estiveram numa colher.

12 de outubro de 2016

Hoje, não.

Quem sabe um dia tu me pergunte (se eu penso em ti, às vezes) e eu responda que penso, lembro, relembro, observo, aprendo, reaprendo e às vezes até me repreendo. Mas hoje, não. 
Hoje, eu só queria te ver tão de perto e poder salivar por cada L ou T que fazem tua língua desfilar ante meus olhos. Agora ou ontem ou semana passada, eu só queria queimar na tua boca. 
E ao que parece vai ser sempre assim. Corra, pessoa, corra! Se repreenda, aprenda e fuja! Essa sou eu todos os dias. 
Corra, corra! Pense, lembre, relembre e se espalhe em milhares de pedaços quebrados. Essa sou eu também. Vem pra mim, vem. Foge, não. Sim. Sou eu ainda. 
A eternidade é a repetição. Determinação não é comigo.